Não entrando no “bitaite” do “são inocentes” ou “são culpados” (neste caso ficámos a saber que, para além de ser um país de “treinadores de bancada”, também Portugal é um país de “juízes de bancada”) e não tendo qualquer tipo de conhecimento de natureza jurídica, ficam aqui alguns comentários a pequenos pormenores do caso Casa Pia.
1. A justiça está de tal forma descredibilizada e marcada pela fama de incompetência e quase por um fenómeno de uma certa aleatoriedade, que, ao contrário do que se imagina num Estado de direito, a leitura da sentença não foi um ponto final do processo (haveria os recursos é certo…), mas apenas mais uma mera vírgula. Os arguidos passaram a culpados, as vítimas confirmaram-se enquanto tal, mas tudo se continua a discutir como se o processo estivesse no início e é perfeitamente natural ouvir dizer que não há garantias que Carlos Cruz seja mais ou menos culpado que Paulo Pedroso. Sintomático.
2. No programa “Prós e Contras” de 6 de Setembro abordou-se a questão de, apesar da sentença estar naturalmente concluída quando foi lida a súmula (pelos vistos sem fundamentação mínima para a acusação de alguns arguidos), esta só estar disponível 5 dias depois (!!). Os argumentos possíveis são vários, mas destaco um, que surgiu durante o programa. O facto do campus de justiça não ter condições logísticas suficientes para que a impressão fosse feita com celeridade antes deste prazo. É ou não é genial?
3. Ainda nesse programa, realce para o leque de convidados que, para além do painel principal, tinha na plateia Carlos Cruz e uma das vítimas. E as restantes vítimas e os restantes condenados? Mas que raio de serviço público é este que num caso de justiça dá voz a alguns dos envolvidos e não o faz em relação a outros que estão exactamente nas mesmas circunstâncias?
Posto isto, com fenómenos paranormais destes em áreas tão fulcrais como a educação ou a justiça, é mesmo caso para dizer que este já não é apenas um país do terceiro mundo. É mesmo um país do faz de conta, um verdadeiro sketch comico-trágico em constante actualização. A propósito desta caracterização nacional, fica aqui uma passagem do texto de Jorge Marmelo, pleno de mordacidade e ironia, intitulado “Nobre Povo e tal” e publicado no Publico (nao consigo obter o link):
“(…) o Estado cumpre o seu dever e trata de manter as aparências: proíbe e olha para o lado; e fiscaliza selectivamente. É, por exemplo, perfeitamente capaz de detectar os ociosos do rendimento mínimo, mas, tal como foi noticiado na semana passada, não consegue avistar os discretíssimos (e naturalmente elegantes) sinais exteriores de riqueza de alguns portugueses muito prósperos, cujas milionárias dívidas ao Estado acabam por prescrever. Existem, evidentemente, alguns portugueses bem-educados e cumpridores (…) São estes portugueses indivíduos bastante estúpidos. Estão na base da cadeia alimentar da pátria e, sendo a pátria o que é, não andará muito distante o dia em que estarão a sustentar sozinhos a vida de todos os outros.”