“O Anticristo” de Lars Von Trier

Lars Von Trier é largamente reconhecido pela forma directa e polémica como aborda, nos seus filmes, causas sociais controversas, revelando uma capacidade magistral em manipular as emoções do espectador, persuadindo-o instintivamente, nem que por instantes, a apoiar as suas convicções pessoais. Foi assim com a questão da eutanásia em “Ondas de Paixão”, com a pena de morte no brilhante anti-musical “Dancer in the Dark” ou com o egoismo e a crueldade da condição humana em “Dogville”, primeiro capítulo da inacabada e irónica trilogia”America: land of the opportunities”. Dado o título e levando em linha em conta os predicados referidos anteriormente, era com grande expectativa que se aguardava por este “O Anticristo”.

O prólogo do filme é, desde logo, muito à medida de Von Trier, com uma toada verdadeiramente bipolar, numa confluência altamente sinistra entre o carácter idílico e religioso da música de Handel e a evolução perturbadora da cena, finalizada com o fatal acidente de um bebé, a ocorrer em simultâneo com o climax da relação sexual dos seus pais (o falso ambiente tranquilo e bucólico que, depois de um aura negra premonitória, redunda em tragédia é definitivamente outro dos traços habituais na obra do realizador dinamarquês). Na primeira parte do tronco do filme, surge a ideia de que este se vai centrar no retrato duro e cru do sentimento de perda, do luto , da dor e do desespero profundos (os três capítulos principais da obra), personificada pela figura feminina (tal como em “Ensaio sobre a Cegueira” de Saramago ou “A Estrada” de Cormac McCarthy, as personagens não têm nome), brilhantemente interpretada por Charlotte Gainsbourg. E, em boa parte, o filme é sobre esta temática e sobre a terapia consequente, desenvolvida pelo marido (Willem Defoe), psiquiatra de profissão, para a libertar desse estado psicologicamente devastador e dos seus medos e anseios negativos mais extremos. No entanto, a lógica do argumento extrapola muito estas questões, abordando, tal como o nome indicia, aspectos como a religiosidade ou a figura do Satanás e o papel da Natureza e da figura humana em toda essa mitificação do além. O principal problema está na forma de pôr em prática estas temáticas. Ao contrário do que sucedeu nas principais obras-primas do realizador, fico com a sensação de que neste filme Von Trier foi longe de mais. Essencialmente porque, ao invés do que sucede com a parte da sua obra que eu conheço e que venero, não há a percepção de um mensagem, de um substrato, de uma moral que justifique esta abordagem tão negativista e que afaste a violência física (que é considerável) e psicológica (terrivelmente marcante) extremas de uma certa gratuitidade bem dispensável. Pecado suficiente para diminuir bastante o filme

Concluindo, “O Anticristo” é seguramente uma experiência psícótica extremamente devastadora e agoniante, que dificilmente deixará alguém indiferente, mas isso não é suficiente para que a considere uma obra cinematográfica de grande relevo. Num filme que gera facilmente opiniões extremadas, desde ódios viscerais a rendidos elogios, como prova a reacção tão diversa que obteve em Cannes, fico-me pelo meio termo. Von Trier não saberá fazer filmes medíocres e, como tal, não foi uma desilusão avassaladora, mas tamém não creio que esta longa-metragem esteja sequer perto do nível dos seus melhores trabalhos enquanto cineasta.

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Uma resposta a “O Anticristo” de Lars Von Trier

  1. Vinicius diz:

    Eu interpreto o filme numa ótima histórica.

    Creio que há nos personagens uma trama de desejo e culpa, gozo e repressão.

    Fiz até um post: http://cabanadeinverno.wordpress.com/2011/10/17/o-anticristo-prazeres-no-mundo-democratico-liberal-e-culpa/

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