É sempre cruel ver adaptado ao cinema um livro que se aprecia.
E é ainda pior quando a memória desse livro está ainda bastante fresca, com todos os pormenores presentes na memória. Cena após cena, quase inconscientemente, vamos reparando nas omissões e nas modificações que a adaptação infligiu no argumento original. Inevitavelmente, a nossa opinião e a do realizador em relação aos momentos a omitir, a manter ou, até, a reforçar, não coincide a 100% (“cien por cien“, como diria nuestro hermano Torgal). No fim, sobra sempre um sabor a pouco.
Ainda assim, tentando distanciar-me, diria que este filme é uma adaptação bem conseguida, quatro estrelas.
Um dos factores em que esta produção se destaca – talvez aquele em que mais sobressai – é na escolha dos actores. Elizabeth – Keira Knightley – é, por ventura, mais bonita que a versão do livro, mas a escolha da actriz que faz de Jane – Rosamund Pike – compensa esta lacuna, criando a sensação pretendida. Uma é a beleza by the book, Jane, a outra a beleza advinda de uma personalidade invulgar. O actor escolhido para Darcy está, também, perfeito. Melhor, até, que Colin Farrell (não digo pior actor. Apenas melhor para o papel). Por fim, Mr Collins está irrepreensível e o pai de Elizabeth, Donald Sutherland, está, como tinha dito no post anterior, ainda melhor que na história original. Há, ainda, duas personagens que são pertinentemente eliminadas: uma das irmãs de Mr Bingley (futuro marido de Jane) e o seu marido. Foi uma jogada inteligente do realizador Joe Wright, pois a relevância destas na trama é nula. Não consigo, aliás, perceber a intenção de Jane Austin em incluí-las no livro.
Para além disso, no geral, a narrativa flui bastante bem, o que torna o filme muito agradável de ‘visionar’ (como se diz agora).
Ainda assim, falta algo para tornar a película excelente. Na realidade, seria difícil sê-lo, como já disse, para alguém que acaba de ler o livro. Falta e faltaria sempre aquela sedimentação dos factos relatados e das relações entre as personagens, que apenas a escrita, pelo tempo de que dispõe, conseguirá criar. Porém, penso que o realizador poderia ter insistido mais naquela que é, afinal de contas, a história principal do livro. A grandiosidade do romance está na mestria dos detalhes à volta da interacção entre Elizabeth e Mr. Darcy. O modo como o desdém da primeira vai desaparecendo progressivamente para culminar no sentimento diametralmente oposto. O livro desempenhará sempre melhor essa função. Mas o filme poderia ter ido mais longe, focando-se mais na história central e menos na trama lateral.
É bastante complicado que, uma adaptação cinematográfica de um livro que adoramos, nos encha as medidas. Então se for um livro muito profundo e existencialista, mais difícil se torna passar para imagem.
Senti isso quando vi as adaptações cinematográficas do “Ensaio Sobre a Cegueira” do Saramago e de “1984” de Orwell. Adorei os livros e os filmes foram uma enorme desilusão