Há uns tempos, quando surgiu e foi promulgada a “lei da paridade” , pensei para mim que não se tratava de uma boa medida, ou seja, que talvez não fosse uma daquelas situações – felizes – em que o Direito faria avançar a realidade, como se costuma dizer. Julguei, mesmo, que poderia ser uma lei humilhante para as mulheres. Não acredito, ao contrário do que nos querem fazer crer os paladinos de uma nova era, que as mulheres dominem ou venham a dominar o mundo, não acredito nessa suposta “igualdade” que tantos dizem evidente, e que está por detrás de muitas alterações legislativas, nomeadamente no campo da família. E não acredito porque os dados (de facto) dizem-nos outra coisa:  dizem-nos, por exemplo, que há muito mais mulheres a viver com o salário mínimo do que homens (9,7% para 4,6%, mais do dobro). Na verdade, não deixa de ser curioso, até, que um Governo que elabora uma lei como a lei da paridade – que, no fundo, é a assunção categórica de que as mulheres não têm “poder”, não têm expressão “em cabeças” na política e que é preciso “levá-las” a esse poder e a essa expressão – elabore, por outro lado, uma lei como a lei do divórcio, que para muitos consubstancia um novo paradigma ao nível da relação matrimonial, em que deixa de haver partes desprotegidas e passa a haver “iguais”. É caso para concluir, talvez, que as mulheres – algo curiosamente – têm poder na cama, em casa, no trabalho, mas não na Assembleia da República.

Mas, retomando, julgava que não se tratava de uma boa medida. A manchete do público de hoje diz-nos que duas mulheres, que fazem parte da lista de um partido (não interessa qual)  às eleições europeias em virtude da tal “lei da paridade”, poderão ter que renunciar às suas posições para que um outro candidato possa ascender a uma posição elegível na dita lista. Ora, se uma lei que exigia uma percentagem mínima de mulheres (33%) nas listas dos partidos já não me parecia bem, uma lei que permita às mulheres renunciar a essas posições para garantir a elegibilidade de homens parece-me quase escandalosa. As ditas senhoras que, cabisbaixas, renunciarem aos seus mandatos depois de terem sido eleitas, chegarão a casa, nesse dia, e – acredito eu – não mandarão em absolutamente nada: nem na cama, nem em casa, nem no trabalho, nem na política.

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4 respostas a

  1. António P. Neto diz:

    Aqui no blog fazemos por cumprir a lei, eheh.

    Mas sim, também a acho um tanto ou quanto insultuosa…

  2. chloé diz:

    Brilliant, são essas inconsistências do sistema que demonstram a hipocrisia do legislador. Ou de como a realidade desmente a ficção.
    O episódio é do mais pedagógico que há, pela força dissuasora que encerra. Tipo “vejam lá, meninas, em que mafia se iam meter”…

  3. João Torgal diz:

    Marta:

    Faço aqui o meu mea culpa por só agora ter lido o teu texto com atenção….não poderia estar mais de acordo.

    Eu próprio tive muitas dúvidas acerca da questão da paridade. Pode ser uma comparação bastante absurda, mas os meus argumentos são semelhantes em relação à questão do regime de quotas de música portuguesa nas rádios. As mulheres devem estar nas listas por mérito próprio (e deviam estar, com certeza) e não por uma lei que o obrigue, da mesma forma que a música portuguesa de qualidade (que existe e em quantidade mais que suficiente) deve passar exactamente por ter qualidade e não por algo que o exija (deve-se, isso sim, admitir que a maior parte das estações de rádio, por estarem dependentes dos subornos das editoras, são uma farsa)
    Percebo a ideia e as boas intenções da medida, mas parece-me que um problema estrutural que possa ainda envolver algum machismo não pode ser resolvido com uma valorização artificial do papel das mulheres na política, mas com um melhor funcionamento das estruturas partidárias. O problema é que, com a carneirice que se instalou hoje em dia nos partidos, apelar a um funcionamento mais justo dos mesmos não passa de uma pura utopia.

    Mas, em todo o caso, verdadeiramente chocante foi a forma de contornar a lei que esse partido se prepara para implementar. É uma vergonha não só para a estrutura directiva desse partido , como para as mulheres que se sujeitam e se deixam humilhar desta maneira. De facto, a lei será cumprida, mas os princípios básicos da ética (ainda existe quando se fala da luta pelo poder político?) são totalmente ultrapassados.

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