Ainda Obama

A vitória de Obama é, inegavelmente, um marco histórico. Sem dúvida que o facto de ser o primeiro presidente negro na história da América é relevante, já que configura uma lição de democracia para o mundo, num momento em que, mais do que nunca, a América precisava de dar e receber lições de democracia. Matou durante anos milhares de inocentes numa guerra de fundamentos dúbios e viola diariamente direitos humanos numa prisão constituída acima da lei. Uma ruptura clara era necessária (de resto, a Amnistia Internacional já fez o aviso a Obama).

Em Portugal e no resto da Europa Obama arrastou massas de uma maneira que nenhum outro político (duvido que em Portugal, em 30 anos de democracia, tenha havido um com sondagens tão favoráveis). O que não deixa de ser curioso, já que há fortes razões para se duvidar que um presidente negro – mesmo tendo estudado em Harvard – conseguisse ser eleito para semelhante cargo. Outro fenómeno curioso é o interesse que o assunto despertou nas pessoas, que as colocou a debater política americana de uma forma que não fariam com a portuguesa. Não houve ninguém durante estes últimos dois meses que não tivesse uma opinião clara sobre o estado das eleições, principalmente depois do desenterro de Palin. Os comentadores e bloggers horrorizaram-se com as suspeitas de abuso de poder que sobre esta recaiam, com a sua falta de preparação, com a sua figura bizarra (escalpes de urso no seu gabinete, etc.) de uma forma que nunca se manifestaram no que concerne aos nossos autarcas, vereadores, presidentes de junta, deputados e outros que tais, que a escassos quilómetros das janelas de suas casas cometem crimes bem mais lesivos e põem em prática condutas bem mais censuráveis. 

Isto leva-nos a questionar o porquê. E voltamos à influência que os meios de comunicação têm nas pessoas. A Obama não lhe faltou um minuto para os seus discursos de guião, Palin foi transformada num fantoche. E McCain soube aproveitar-se bem disto. Os primeiros minutos do seu debate com Obama – em que foi lançada a carta Joe, the plumber – pareciam saídos de um programa do Dr. Phill. Por outras palavras: os candidatos sabiam claramente como apelar às massas: McCain à cambada de lunáticos que constituem as bases do Partido Republicano e Obama – triunfalmente- ao americano médio, com um discurso carregado de change e hope, os dois chavões que as pessoas mais gostam de ouvir, e que, obviamente, se revelou um sucesso. 

Cabe-me o papel do carrasco: é óbvio que estou contente pela vitória dos democratas nos EUA. São sem dúvida, dentro do bipartidarismo que caracteriza o sistema político americano, o partido que consegue dar garantias mínimas de sociabilidade e de justiça e garantir princípios básicos de um Estado de Direito, como a laicidade, o respeito pelos direitos humanos, etc. Mas fica uma dúvida no ar: o que mudará efectivamente? O que fará Obama, por exemplo, para afastar as famílias das instituições de crédito que suportam o próprio sistema? Não será apenas uma lufada de ar fresco no capitalismo selvagem… até ao próximo sufoco? Esperaremos para ver até quando dura este pró-americanismo, e quanto tempo é que vai levar para as pessoas redescobrirem que a América é uma coisa extremamente horrível, porque os americanos são estúpidos, há armas, obesidade, patriotismo provinciano e endividamento. Maleitas de que não padecemos, como é sabido.

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8 respostas a Ainda Obama

  1. Ana Abraão diz:

    Considero curiosa a responsabilidade que colocam em cima de uma pessoa como se de um Messias se tratasse. Será que a lufada de ar fresco que se lhe aponta é genuína ou espera-se que ele por ser negro consiga fazer mais do que algum outro fez? Será que se irá permitir-lhe errar como tantos outros o fizeram ou como este Presidente é negro não se poderá dar ao luxo de o fazer. Como é óbvio o Obama é um ser humano com todas as virtudes e defeitos que essa condição acarreta…
    Penso ser claro que os EUA e o mundo atingiram uma situação limite em que as alternativas que se lhe apresentam são o caos ou algo novo que signifique uma ruptura com tudo o que existiu antes deste período. Esse é, enquanto Europeus, cidadãos do Mundo e espectadores da “cena” Mundial, o nosso desejo. Mas não podemos esperar que o Obama chegue e resolva tudo o que permaneceu imutável durante mais de uma centena de anos. Não nos esqueçamos que apenas à 143 anos (desde 1865 para ser mais precisa!) os negros têm direito de voto nos EUA e desde então têm se operado mudanças significativas que culminaram na eleição de um negro como presidente dos EUA. Sim, é um facto que foi eleito porque tem mérito, é eventualmente mais inteligente do que o McCain, fez campanha pela positiva, apela aos sentimentos de mudança e deixou de ver a América como o centro do mundo, passando a aceitar a necessidade de diálogo com outros povos e Nações. Porque pela 1ª vez, até aqui vislumbramos a possibilidade de um mundo melhor, em que a Paz e a prosperidade se tornem realidades.
    Isto é muito bonito enquanto ideal e desde que alguém se concretize a fazê-lo. Porque se as coisas não correrem de feição (entenda-se como se espera) e Obama não se revelar o Messias que esperávamos poderemos sempre olhar para o lado. Eles, os americanos com o “redescoberta” de que a “América é uma coisa extremamente horrível”. E nós com a certeza de que “os americanos são estúpidos, há armas, obesidade, patriotismo provinciano e endividamento”. “Maleitas de que nós”, cheios de propriedade, “não padecemos, como é sabido”.
    O que me apraz dizer: Abram os olhos e parem de olhar para o umbigo dos outros de cima para baixo, como se fossem muito superiores. Aliás, de tal forma melhores que se acham dignos de ajuizar o estilo de vida dos outros como se a vivência em Portugal fosse muito melhor. Parafraseando o autor do blog : “os americanos são estúpidos” o que serão os Portugueses que subscrevem/ assinam por baixo uma guerra promovida pelos Americanos sem qualquer fundamento? “há armas, obesidade, patriotismo provinciano e endividamento”, Os Americanos até podem ter armas, nós compramos tanques e submarinos para os quais não vislumbramos qualquer utilidade. “Obesidade”?! O que é feito da dieta mediterrânica?! O estilo de vida americano foi de tal maneira plagiado que até esse mau exemplo já é visível em Portugal. “Endividamento”, todos os dias se ouve falar de recessão, crise, dificuldade em pagar as prestações, crédito mal parado, etc, etc, etc. (é só ligar a TV!). No capítulo do “patriotismo provinciano” penso que olhar para os outros com ar superior quando se ocupa lugares traseiros em todos os rankings de desenvolvimento, quando se assiste a elevados níveis de corrupção, descrédito na classe política e na justiça, crescente fosso entre ricos e pobres, aumento do número de pobres per capita, elevados níveis de analfabetismo, onde o sistema da cunha se sobrepõe ao do mérito… enfim… penso que estamos conversados!

  2. João Torgal diz:

    “Esperaremos para ver até quando dura este pró-americanismo, e quanto tempo é que vai levar para as pessoas redescobrirem que a América é uma coisa extremamente horrível, porque os americanos são estúpidos, há armas, obesidade, patriotismo provinciano e endividamento. Maleitas de que não padecemos, como é sabido.”

    Fui eu que percebi mal ou há neste parágrafo uma elevada dose de ironia que, pelos vistos, não foi assim interpretada pelo comentário da Ana Abraão? È que concordo quase em absoluto com as palavras deste mesmo comentário, mas parece-me que houve uma indevida interpretação do sentido do discurso do António Neto

  3. João Torgal diz:

    “Esperaremos para ver até quando dura este pró-americanismo, e quanto tempo é que vai levar para as pessoas redescobrirem que a América é uma coisa extremamente horrível, porque os americanos são estúpidos, há armas, obesidade, patriotismo provinciano e endividamento. Maleitas de que não padecemos, como é sabido.”

    Fui eu que percebi mal ou há neste parágrafo uma elevada dose de ironia que, pelos vistos, não foi assim interpretada pelo comentário da Ana Abraão? È que concordo quase em absoluto com as palavras desse mesmo comentário, mas parece-me que houve uma indevida interpretação do sentido do discurso do António Neto

  4. António P. Neto diz:

    Ana, há (e não “à”, já agora) uma dose de ironia (não tão subtil como isso) que percorre todo o texto e que certamente lhe escapou. Agora que sabe do que se trata, releia se puder o comentário que fez e veja se ainda se mantém. É porque se se mantiver estamos conversados (refiro-me obviamente à ultima parte, e não à primeira, com qual até concordo).

  5. Pedro Gil diz:

    “São, sem dúvida, (…) o partido (Democrata) que consegue dar garantias mínimas de sociabilidade e de justiça e garantir princípios básicos de um Estado de Direito, como a laicidade, o respeito pelos direitos humanos, etc”

    Esta frase é notável e reflecte bem o pensamento preconceituoso e erróneo que a Europa tem do Partido Republicano. Duvidar (ou insinuar, ou afirmar) que o Partido Republicano não respeita a laicidade e os direitos humanos é querer deturpar a realidade. Depois de tantos mandatos republicanos espalhados por várias décadas, o estado continua a ser laico e gostaria de saber em que ponto da última presidência de George Bush é que o deixou de ser. Afirmar que só o Partido Democrata “pode garantir o mínimo de justiça e sociabilidade” é outro exagero: como qualquer sistema ocidental, o Estado é independente do sistema judicial pelo que a Administração não exerce qualquer influência sobre os tribunais. Não faz sentido discutir isso tratando-se de um partido político democrático. As opções políticas fazem-se através de argumentos, preferências económicas, de saúde, de educação, éticas (aborto, casamento de homossexuais, etc) e não através de insinuações absurdas sobre a consciência democrática e a responsabilidade social dos partidos em causa (tratando-se naturalmente dos “normais” partidos europeus e americanos, isto é, não contando com facções extremistas).

    O respeito pelos direitos humanos é outro aspecto importante e muitas vezes referido. Acho muito curiosa essa ideia quase dogmática de que o Partido Republicano e o conservadorismo político na América é mais “belicista” digamos assim e menos respeitador dos direitos humanos do que os Democratas. Certamente que todos têm em mente Guantánamo e as suas vergonhosas torturas/detenções. Não podíamos estar mais de acordo. Mas recuando um pouco no tempo, podemos também analisar outros exemplos. Pensando nas maiores violações dos direitos humanos do séc. XX, recordo-me imediatamente, a par das atrocidades nazis, do uso da bomba nuclear em Hiroxima e Nagasaki. Quase 150 mil vítimas mortais numa demonstração inútil e bárbara de força militar que iria condicionar a política mundial durante a Guerra Fria e até aos dias de hoje. Quem deu a ordem para disparar? Um presidente Democrata. A pena de morte, por exemplo, uma das maiores vergonhas das democracias ocidentais. Qual foi o ano em que se registaram maior número de condenados à morte? 1935, um ano em que a Administração era Democrata. Enquanto isso, George Bush logo no seu primeiro mandato proíbe a pena de morte a deficientes mentais, a doentes mentais, a menores de 18 anos, e é também durante o seu mandato que pela primeira vez surge um Estado a abolir a pena de morte (Nova Jersey). Outro exemplo: a Baía dos Porcos, em que milhares de exilados cubanos foram vergonhosamente treinados pela CIA e lançados para uma morte certa numa vergonhosa tentativa de invasão a Cuba. A Administração era mais uma vez Democrata (John Kennedy). E quanto ao suposto belicismo e ligação ao lobby militar do Partido Republicano, analisemos mais uma vez a história do séc. XX e os principais teatros de guerra em que os E.U.A. estiveram envolvidos. Na I Guerra Mundial, o presidente (Woodrow Wilson) era do Partido Democrata. Franklin Roosevelt lançou e comandou os E.U.A. na II Guerra Mundial e era também ele democrata. A intervenção no Vietname começou em 1955 apenas como ajuda económica à guerra civil, mas a intervenção militar propriamente dita apenas se iniciou verdadeiramente em 1964 depois de um ataque vietnamita a um contratorpedeiro americano. E quem era o Presidente quando foi declarada guerra? Lyndon Johnson, do Partido Democrata naturalmente. Ou seja, das 4 grandes operações militares americanas do século XX, apenas uma (guerra do Iraque) não foi “da responsabilidade” do Partido Democrata. Note-se que eu não estou a afirmar que os democratas são mais ou menos bélicos ou mais ou menos a favor da paz; apenas estou a demonstrar que a ideia que a Europa tem do Partido Republicano é muitas vezes errada e preconceituosa.

    O democrata europeu, confortavelmente sentado numa esplanada em Paris com saudades da glória dos tempos da Revolução Francesa, gosta de pensar que todo o Partido Republicano é composto por Sarah Pallin’s e afins. E que o Americano médio é bruto, mal-educado, inculto, ignorante dos problemas do mundo, vive no Texas com o seu pequeno rancho e sempre votou no Partido Republicano. Pois bem, a América é muito mais do que isto. Não censuro ninguém sobre as suas preferências e opções políticas, mas choca-me a ignorância e a visão preconceituosa de que a Europa padece sobre o Partido republicano e o sistema político Americano em geral.

    Quanto à eleição de Obama, fiquei genuinamente satisfeito. Só o tempo o poderá confirmar, mas o ex-senador do Illinois e a sua vontade de mudança parecem ser de facto a melhor opção não só para a América como para o Mundo.

  6. António P. Neto diz:

    Ora aqui está um comentário que considero interessante. Muitas das coisas que escreveste queria guardá-las para escrever noutro texto, mas já que as referiste – e ainda bem – vamos pegar nelas.

    Quer se queira, quer não, o Partido Republicano está lamentável e irremediavelmente colado à administração Bush. O seu mandato foi de tal forma destrutivo e corrosivo que houve republicanos que deixaram pura e simplesmente de se conseguir rever no partido (lembro-me até de Fukuyama, que veio numa crónica do N.Y. Times dizer que não podia continuar a considerar-se neo-conservador se insto implicasse estar colado à administração Bush). Repito: quer se queira, quer não, os republicanos foram minados por Bushes, Chenneys e Palins que afastaram grandes cérebros do partido e fizeram com que as suas bases se transformassem no americano rancheiro a que te referes. É destes que falo, obviamente. Eu não sou democrata nem estou assim tão por dentro dos últimos governos. Mas algumas jogadas como o patriot act deram bem para perceber o rumo que o partido escolheu. E esse rumo foi fatal e sim, incluiu violações de direitos humanos e planos dúbios para instituir criacionismos em manuais escolares.

    Gosto desta frase: “a América é muito mais do que isto”. Principalmente porque quando ouço dizer mal da América costumo sempre perguntar: mas que de América? Do cowboy texano? Do sofisitcado nova-iorquino? Do artista que vive em Los Angeles? Dizer mal “da América”, assim entendida como uma massa amorfa de gente burra e obesa é tão fácil quanto absurdo: é, na verdade, o mesmo erro em que caem os americanos que “não gostam da Europa”. De qual Europa? Dos disciplinados nórdicos? Dos festivos italianos? Ou dos contestatários franceses? É óbvio que isto é elementar, mas é assustador ver a quantidade de pessoas que se esquece de uma ideia tão simples como esta, para poder catalogar à vontade.

    Eu não tenho nenhum tipo de preconceito em relação aos EUA. Trata-se, pelo contrário, de um país que muito admiro (quem me conhece sabe-o perfeitamente). Nem acho que o americano médio seja propriamente burro ou mal-educado. A não ser que o pesquemos do interior do Texas ou do Alaska… Estou a brincar.

  7. Pedro Gil diz:

    É natural que a memória que se retenha de uma Administração republicana seja a de George Bush, por ser a mais recente. Mas o que eu tentei demonstrar com o meu comentário anterior é que essa é uma visão muito redutora e preconceituosa da realidade. Analisando a história da América no séc. XX podemos facilmente compreender isso; na verdade, ao contrário da ideia quase generalizada na Europa, não é só o Partido Democrata que defende a paz, a saúde acessível para todos os cidadãos, os direitos humanos, um sistema judicial e económico livre e justo. Cada Presidente e cada Administração são diferentes e tudo depende das circunstâncias específicas desse período, pelo que generalizações serão sempre abusivas.

    A nossa geração tem certamente como exemplo de uma Administração Democrata a presidência de Bill Clinton. Devo dizer que o considero um homem inteligente e um dos melhores presidentes que a América já teve mas analisando os seus dois mandatos podemos retirar conclusões importantes (esquecendo naturalmente o escândalo sexual que pouco interessa para o caso). Bill Clinton também não conseguiu em 8 anos capturar Osama Bin Laden (que já é o inimigo nº1 há muitos anos), também não conseguiu impor a paz no Médio Oriente (foi durante o seu mandato que se iniciou a Segunda Intifada Palestiniana em 2000) e também não conseguiu fundar nos E.U.A. o Serviço Nacional de Saúde gratuito e universal. Ora, analisando estas três questões, vemos que elas correspondem exactamente às principais críticas que se apontam a George Bush (exceptuando a guerra no Iraque). E no entanto, Bill Clinton ficará recordado como um dos melhores Presidentes e George Bush como um dos piores (a não ser que a situação no Iraque se altere substancialmente a curto prazo). E por que é que isto acontece? Devido a um diferente contexto internacional: Bill Clinton governou em tempos de prosperidade económica e social que impulsionaram a Europa e a América, enquanto não surgiam ainda as ameaças orientais da China e Índia. Bush por sua vez atravessou períodos complicados não só para a América como para o Mundo (apesar de concordar que uma parte desses problemas foram criados ou pelo menos não resolvidos convenientemente pelo próprio Bush, pelo que isto não serve para o desresponsabilizar por inteiro).

    Mas a questão fundamental a que eu pretendia chegar é que o Americano médio apreciou verdadeiramente a Administração Bush, à excepção de um pequeno pormenor: a derrota (senão militar, pelo menos moral/ideológica) no Iraque. Note-se um facto: em que momento a popularidade de Bush atingiu o seu pico máximo junto dos Americanos? Exactamente após o 11 de Setembro e quando foi lançada a guerra no Afeganistão! Isto é, os Americanos não se importam com “a guerra contra o terrorismo”; só não perdoam a Bush é a derrota no Iraque. E isto sucede porque a opinião pública nos E.U.A. é completamente diferente da europeia, e por isso a interpretação dos factos neste lado do Atlântico é feita tantas vezes de forma completamente errada. Por isso é que custou tanto aos europeus compreenderam a reeleição de Bush em 2004; e recordo que foi uma vitória esmagadora. O próprio Partido Democrata não tinha muitas expectativas para essa eleição, tanto que “queimou” uma personagem pouco elegível e sem carisma como o John Kerry, enquanto os pesos-pesados como a Hillary Clinton (que também foi sugerida logo em 2004) se guardaram para 2008. Isto reflecte bem a ignorância mútua que existe entre os dois lados do Atlântico, que apesar de constituíram conjuntamente “o Ocidente” se sustentam em dois modelos sociológicos completamente distintos.

    Uma pequena nota para Sarah Palin, que tanta tinta fez correr durante esta eleição. Na Europa ela foi ridicularizada e quase diabolizada (de forma um pouco exagerada por vezes, mas em muitos aspectos de forma justa) e disseminou-se a ideia geral de que McCain perdeu devido ao erro de ter escolhido para vice a senhora governadora do Alaska. Na verdade, McCain não perdeu por causa do efeito Palin; McCain perdeu APESAR do efeito Palin. A sua escolha para vice foi uma jogada política verdadeiramente genial. Por uma razão simples: o Americano médio admira e revê-se no modelo de Palin. Working-mom, católica, tradicional, conservadora, mulher, independente, bonita (ok é discutível mas a senhora já foi Miss Alaska lol), gosta de caçar e pescar, etc. Enquanto McCain apelava ao eleitorado mais velho, Palin conquistava a população feminina órfã de Hillary Clinton e o eleitorado conservador do interior (isto assumindo que a população mais jovem e urbana estava “perdida” para Obama). Foi uma jogada de mestre, uma vez que ambos se complementavam na perfeição e podiam ter alcançado a vitória. E isto deve-se a uma questão demográfica e sociológica que importa analisar. Vejamos um exemplo: Washington D.C., a capital da nação mais poderosa do Mundo, tem “apenas” 582 049 habitantes (ok, confesso que esta fui ver à Wikipedia lol). O estado do Texas por exemplo, cuja capital é a desconhecida Austin, tem mais de 23 milhões e meio de habitantes!!! E esta é a realidade que choca a Europa: o Americano urbano e moderno de Nova Iorque representa uma minoria. É este o facto que leva a tantas interpretações erradas e que muitas vezes parecemos esquecer. Volto a repetir: por mais que nos choque, o Americano urbano e moderno de Nova Iorque representa uma minoria.

    Voltando a Sarah Palin, a ideia de que McCain perdeu apesar de Palin e não por causa dela, ao contrário do que muito se escreveu e afirmou na Europa, pode-se confirmar por um simples facto: no Partido Republicano começa-se já a sugerir com alguma insistência o seu nome para a Presidência em 2012. E isto só pode surpreender e chocar quem não conhece verdadeiramente a América. Para a Europa, o Mundo seria um lugar maravilhoso se fossem os Europeus, e não os Americanos, a votar nas eleições dos E.U.A. Tudo seria mais fácil. E por isso a cobertura mediática extensa e quase exagerada que se fez destas eleições: na verdade, isso não acontece do outro lado do Atlântico. Para a América, Downing Street representa sempre um aliado e território amigo independentemente da cor política pelo que a Europa no geral, devido a um alargamento precipitado e mal conduzido da União Europeia, perdeu influência e capacidade de decisão no quadro internacional.

    Para terminar, falta só justificar o facto de Obama ter ganho as eleições apesar de tudo o que foi descrito anteriormente. E isso explica-se facilmente: é que a vontade de mudança era tão grande que Obama preferiu afastar-se dos terrenos que já lhe eram favoráveis (Nova Iorque, Pensilvânia, etc) e apostar toda a sua campanha nos estados “hostis”, acabando por conseguir conquistar quatro estados do interior (Colorado, Novo México, Minnesota e Iowa) habitualmente republicanos. E foi isso que lhe garantiu a vitória. Uma decisão estratégica importante que se revelou decisiva. Importa agora esperar e deixar Obama e a sua equipa trabalhar, retirando-lhe dos ombros o peso do “Messias” que, apesar de ter ajudado e muito durante a campanha, a partir de agora, com o duro regresso à realidade, só o prejudicará.

  8. João Torgal diz:

    “Na verdade, McCain não perdeu por causa do efeito Palin; McCain perdeu APESAR do efeito Palin.”

    Não podia estar mais de acordo, tal como frisei num post anterior

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