
Ainda que tarde, aqui ficam as minhas análises aos concertos que vi no Andanças e que já estava há muito para publicar
João Gentil e Luís Formiga – Uma surpresa. O cruzamento entre apenas bateria e acordeão poderia parecer estranho à partida, mas nas mãos destes dois músicos não o é, havendo uma combinação muito interessante dos dois instrumentos. Com um alinhamento bastante eclético (se calhar eclético de mais, talvez com um pouco menos de diversidade o concerto tivesse sido ainda mais consistente), que vai desde o tango à música tradicional portuguesa ou do clássico ao jazz, o duo deu um concerto em crescendo, acabando com a tenda completamente cheia e com o público ao rubro.
No Mazurka Band – Os No Mazurka Band são um colectivo cuja componente instrumental assenta essencialmente nos sopros. No entanto, se estão a pensar que pode haver alguma ligação com grupos como os Gaiteiros de Lisboa ou os Galandum Galaundaina, no mínimo ao nível das influências, estão enganados. Aqui privilegia-se essencialmente o baile português e menos a parte técnica, integrando-se o grupo no imaginário MRPP, que no caso quer dizer Movimento Radical Pastoril Português. Actuando como uma big-band (dada a presença em palco de elementos extra-banda) e com a particularidade de conterem na sua formação responsáveis pela coordenação da dança, o grupo contou com uma forte adesão do público, que de forma contagiante dançou temas do Algarve a Trás-os Montes, passando por originais dos No Mazurka Band.
Amanida Folk – Mais um grupo totalmente desconhecido para mim, mais uma absoluta surpresa. Vindos da Catalunha, os Amanida Folk misturam guitarra, violino, violoncelo, flauta, clarinete e acordeão e diversos estilos musicas como o klezmer, a folk irlandesa, o som dos balcãs ou a música tradicional catalã, numa mezcla que resultou particularmente bem neste formato ao vivo. Como tal, não admira o nome da banda, já que “amanida” quer dizer em catalão “salada”.
Alafum – Já com um longo percurso musical (estão a comemorar agora 25 anos de carreira), este projecto do distrito de Viseu dedica-se essencialmente à recriação do cancioneiro de Lafões, pelo que estava em São Pedro do Sul a tocar autenticamente em casa. Tratando-se de uma proposta mais próxima da raiz do que os restantes concertos a que assisti, os Alafum são a prova de que ainda é possível fazer música tradicional mais pura e menos subversiva com qualidade e capaz de atrair um público diversificado. Até porque, mostrando adaptação aos novos tempos, o seu repertório já não se limita à tradição de Lafões, incluindo outras linguagens como as polkas ou a contradança.
Uxukalhus – Que dizer da música dos Uxukalhus… Que escutar o trad-folk-rock (como eles se auto-caracterizam) do seu album A Revolta dos Badalos e dos seus concertos ao vivo é uma experiência sensorial e quase revolucionária, pela fusão incrível da tradição com outros ritmos que passam pelo ska, pelo rock ou pelo hip-hop, isso já o sabia. Agora vê-los no palco principal do Andanças é outra história. Não só porque o público os acarinha e vibra com a sua música de modo muito próprio, mas também porque a alegria e a expontaneidade que vêm do palco são ainda mais irresistíveis. Misturando originais com adaptações explosivas de tradicionais como o “Regadinho”, o “Erva Cidreira” ou a “Saia da Carolina, os Uxukalhus deram um concerto absolutamente incrível, ainda mais intenso por se tratar do formato Uxu Kalhus Transe, em que a componente da percussão tem um maior impacto.
Pé na Terra – Fabuloso. A magia e a garra do album homónimo de estreia deste projecto do Porto, lançado já este ano, ganha uma nova alma ao vivo. Não só na recriação dos momentos mais fortes e contagiantes do disco e na adaptação do tradicional “Macelada” (ausente do disco), mas também nos momentos mais calmos e intimistas como o início da “Balada do Sino” e do “Pedrinhas” ou o “Raio de Sol”, em que a força dá lugar à melancolia e a minutos de profunda beleza, funcionando como um contraste muito interessante entre essas duas vertentes distintas da música dos Pé na Terra. Destaque ainda para a presença dos Mu num dos últimos temas, para o momento em que o grupo vem tocar para junto do público (o Andanças a marcar a sua diferença, enquanto festival sem barreiras), ou, para culminar em grande este concerto, a repetição do sublime e arrepiante “Sentir”, sem dúvida um dos grandes temas de 2008.
Mu – Também do Porto, a música dos Mu é um verdadeiro caldeirão sonoro, que vai desde o som do didgeridoo australiano, até aos sons do Leste europeu, passando por alguns ritmos orientais e que está, em termos discográficos, retratada em 2 albuns: Mundanças de 2005 e Casa Nostra de 2008 (a caracterização ideal da música dos Mu é feita pelos próprios no booklet do primeiro disco). A actuação ao vivo dos Mu no Andanças não desiludiu estes pressupostos: a sua construção musical tão rica e apurada, numa grande fusão em que imperam os princípios do claro bom-gosto, resulta num concerto ao vivo muito diversificado e rechado de motivos de interesse. Para além da performance dos próprios Mu, por si só suficientemente aliciante, o concerto foi ainda mais valorizado pela presença em palco da ex-Dazkarieh Helena Madeira, que já colaborou, com a sua voz incrível, em 3 temas do album Casa Nostra, e, na parte final do espectáculo, de Renato dos Olive Tree Dance e de um conjunto de percussionistas dos Semente e dos Dyabara
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