Pacheco Pereira é um mestre no que toca a teorias da conspiração. No entanto, e de vez em quando, algumas parecem fazer sentido. A mais recente, que sou bem capaz de subscrever, é a aposta do governo na transmissão do Euro 2008. Com efeito, o telejornal da RTP 1 está tão, mas tão exagerado no que toca à cobertura do evento que chega mesmo a parecer que foi encomendado (a melhor peça jornalística foi talvez o passeio de Scolari por Bechamel, ou como raio se chama a terra suiça onde a selecção ficou) . Isto seria irrelevante se não fosse pago com o dinheiro do contribuinte.
Se pensarmos bem, e sabendo de antemão que este governo tem uma máquina de propaganda invejável, não há razão nenhuma para que o governo não aposte nesta forma de entretenimento. Se, por um lado, gera dinheiro, por causa das audiências que atrai (um bom chamariz para os publicitários), é uma excelente maneira de anestesiar a população, entretendo-a com um reality show que dura, em média umas boas 6-7h diárias. Esquece-se, desta forma, o aumento dos preços dos combustíveis (relegados para 2º plano nos telejornais) e qualquer assunto relevante. Ademais, não é de renegar totalmente a ideia de que Sócrates controla Deus, já que este fantástico material surgiu, precisamente, numa atura de queda do governo nas sondagens, em parte pelo crescente aumento do desemprego e dos preços de quase tudo, acompanhados por mais protestos, desta vez dos pescadores (que perderam, também, o tempo de antena que teriam em situação normal).
Assim, não é de todo descabida a ideia de que este pão e circo na televisão pública foi, em parte, encomendado. Seja pelas vantagens que trás ao governo, seja pelas vantagens que trás à própria sobrevivência do serviço público de televisão. Quem não está particularmente interessado no tornozelo de Cristiano Ronaldo só tem um remédio – engolir. Em seco, já que provavelmente está a pagar o tempo de antena que o dito merece.
Não diria melhor. Concordo em absoluto com o que disseste (mesmo gostando bastante de futebol)
Que treta… Vocês e esse Pacheco Pereira são uns complexados em relação ao futebol. Lá o Pacheco Pereira, deve ter inveja que muito mais gente ache interessante tudo o que rodeia o futebol, do que os seus poemas intelectuais ou aquelas fotografias sem qualquer interesse.
Cá para mim, o Sócrates também comprou a SIC, para fazer um programa sobre a vida dos jogadores, e a TVI para transmitir os jogos.
Agora a sério, acho que a RTP não está a fazer ‘serviço público’. De facto, não se compreende como não adquiriram os direitos televisivos do EURO 2008, a 3ª ou 4ª prova desportiva mais importante do mundo. Além disso, também deviam fazer um esforço financeiro, para adquirir o direito de transmitir jogos do campeonato nacional.
A questão não é o futebol. São as meias do Cristiano Ronaldo, a infância do Quaresma, o penteado do Nuno Gomes, a opinião dos adeptos que vão ver os treinos e todo um conjunto enorme de outras trivialidades que são alvo de destaque nos blocos noticiosos.
Tens toda a razão, Miguel. De facto, parece-me impossível seguir um evento desportivo desta dimensão sem saber se Scolari jogou no Euro Milhões, a que horas tomou a selecção o pequeno-almoço ou se o tornozelo do Nani está em condições. Para além disso, parece-me que uma tarde de Tony Carreira é algo a não desperdiçar, seja em que circunstância for…
Depois, sou tão complexado em relação ao futebol, que até pedi aos entendidos do assunto que escrevessem aqui sobre isso. Acho que isso ainda me separa ligeiramente do Pacheco Pereira, e da seu arquivo de fotografias de rotundas…
Por acaso concordo contigo na parte do “Tony Carreira é algo a não desperdiçar, seja em que circunstância for…”. Acho bem mais interessante para o público um concerto do Tony Carreira, do que a Vila Faia, ou a Edição 1001 do Dança Comigo, que são as habituais tardes de fim-de-semana da RTP. Já que se fala tanto em “serviço público”, a transmissão de um concerto do Tony é sem dúvida serviço público.
Ah, e por acaso, prefiro saber como está o tornozelo do Nani, do que ver 30 minutos (como nos telejornais de hoje), de grupos de camionistas a ameaçarem outros.
“Ouço vozes, que tenho por avisadas, garantirem que o futebol perturba a vida normal do País. Bradam que o futebol é um alucinogénio que afasta as pessoas da realidade e que o poder político aproveita este estado geral de alienação para fazer o que não deve e escapar incólume.
Estas críticas parecem-me pouco mais do que um disparate. São típicas de alguma esquerda neo-realista e de uma certa direita que se crê acima dos comuns mortais.O futebol é um fenómeno de identificação de emoções. Quanto muito será um risonho escape para as adversidades do dia a dia – o que é positivo. Mas o Governo não é deixado à vontade graças a uma Selecção vencedora, ainda que o tente. Como se viu na crise dos camionistas.”, in Blasfémias.
Não diria melhor!