
Parece-me incrível que o fado de Coimbra seja hoje mais valorizado por turistas e pela imprensa internacional do que pela própria população e comunicação social portuguesas. De facto, parece que só o fado de Lisboa (no meu entender, e correndo o risco de apedrejamento, incomparavelmente mais pobre e brejeiro) é que está na moda. Hoje é bem gostar de fado, mas obviamente que só do que é mainstream (sem querer retirar-lhes mérito, falo de Marizas, Camanés e afins). Assim, ano após ano, o fado de Coimbra fica cada vez mais esquecido, mais marginalizado. Fora de Coimbra não se arranjam, praticamente, bons CD’s de fado de Coimbra.
Dizem os experts do assunto que o fado de Coimbra não é fado. Perdem-se em concepetualizações ocas (“não é fado, mas sim canção de Coimbra“), não entendendo que quanto mais o tentam separar do fado mais contribuem para que este adquira o relevo de um cantar regional encapsulado, que à semelhança dos congéneres não produz nada de novo. Pergunto: de que serve insistir nesse preciosismo? Não se tratam de grupos constituídos à semelhança do que se faz em Lisboa, por solista, guitarra clássica e guitarra de fado (ou guitarra portuguesa)? É pela afinação de Coimbra, meio-tom abaixo e pela lágrima no braço da guitarra?
Este texto surge a propósito de uma notícia publicada hoje no “The Wall Street Journal”, que ao contrario do que costuma acontecer com as nossas, não me parece pecar por parcialidade, nem por bairrismo. Parece-me bastante completa, mesmo em termos informativos, explicando as raízes e as alterações que este fado tem vindo a sofrer ao longo dos anos.
Ficam algumas passagens; a minha preferida é aquela em que o jornalista diz não haver, para o povo português, “(…) greater taler than that of Dom Pedro and his lover Inês de Castro…”. A explanação da tragédia em inglês adquire contornos hilariantes, mas penso que quer esta, quer as restantes expressões traduzidas, estão bastante bem. A conferir por quem se interesse.
Óptimo artigo. Como foste descobrir?
De qualquer maneira deixa-me discordar um pouquinho na crítica aos puristas da “Canção de Coimbra”. A distinção faz mais sentido do que enfiar Coimbra e Lisboa no mesmo saco. Em boa verdade são estilos com origens independentes, conceitos completamente diferentes, evolução histórica separada e obras concretas com pouco mais de semelhante do que o “solista e as guitarras”. De certeza que sabes isso incomparavelmente melhor que eu.
É importante tentar perceber até que ponto não é a generalização do “Fado” uma das causa da decadência da canção coimbrã; suposta decadência com a qual eu não concordo de forma alguma. A hegemoneidade de Lisboa é incontornável e a colagem ao “Fado” pode levar ao apagamento das especificidades do fado de Coimbra. Para o bem e para o mal, para a esmagadora maioria de Portugal, Fado é taberna e mulheres de xaile, histórias de putas e carpinteiros acompanhadas de iscas de fígado e vinho a martelo. Tudo isso está a um mundo de distância daquilo que verdadeiramente é o Fado de Coimbra. Que outra forma há de evitar que tudo se torne o mesmo sem ser insistir na ladainha da “Canção de Coimbra”?
Gil:
A Canção de Coimbra, para mim, é o “Vira de Coimbra”, ou o “Caiu a Laranja”, na mesma medida em que o “S. Gonçalo de Amarante” (dos Açores, já que há dois) é a Canção dos Açores e o Vira Minhoto é a canção do… Minho (não sei de que cidades são, por isso falo da região). No entanto, entendo que as pessoas se refiram ao Fado de Coimbra como “Canção de Coimbra”, já que é um género obviamente regional e indissociável do geist da própria cidade. Acho apenas um preciosismo bacoco insistir nesta designação como conceito, já que apenas empobrece (a meu ver) o género. Confesso que também me lembra as entrevistas em que os experts começam cada frase por um “não”, seguindo-se a correcção obsessiva de tudo o que o entrevistador diga sobre o assunto.
Para mim (e repito: para mim) existem dois géneros de Fado (sendo que, na verdade, existe apenas um, já que o outro é apenas uma invariável sucessão de quadras sobre putas e vinho verde): o de Coimbra e o de Lisboa. Com origens e evolução diferentes, é certo, mas com traços comuns. Ambos são Fado. A causa da estagnação do Fado de Coimbra é, entre outras (e, uma vez mais, a meu ver) esta: é pouco vendável. Pela solenidade que exige, pela complexidade. Não é um Fado para se ouvir no meio de copos de vinho tinto, em qualquer jantarada. A forma de evitar “que tudo se torne o mesmo” é insistir na desginação de… Fado de Coimbra.
Outra coisa que considero inadmissível é o que se passa com as casas de Fado em Coimbra: numa, praticam-se preços exorbitantes; noutra, praticam-se preços exorbitantes e corremos o sério risco de assistir a solos de Rui Veloso feitos com os dentes. Conheço pouco da realidade lisboeta, mas penso que é diferente, havendo casas de fado para todas as carteiras e gostos.