Facto indesmentível: Júlio Pereira é um dos nomes incontornáveis da música portuguesa. Trabalhou ao lado de grandes nomes da música nacional como Zeca Afonso, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, Fausto ou Vitorino e até ao lado de alguns nomes internacionais como Pete Seeger ou os Chieftains, foi responsável pela revitalização em Portugal de instrumentos musicais como o cavaquinho ou o bandolim e lançou com eles albuns decisivos na cultura nacional, como o são Cavaquinho de 1981 e O Meu Bandolim de 1993.
Assim sendo, é com natural expectativa que se recebe cada álbum novo de Júlio Pereira e, mais uma vez, as expectativas não saem goradas neste novo album. Tal como no anterior, Rituais de 2001 (se descontarmos o album Faz-de-conta de 2003, dedicado às crianças), o multi-instrumentista pega em algumas das coordenadas do seu passado músical ao nível da paixão pelas raízes da música portuguesa, mas, como o próprio nome do album o indica, alarga os horizontes geográficos, misturando alguns sons provenientes de outras paragens como África, o Oriente ou terras árabes. Este album, em que Júlio Pereira toca bandolim e bouzouki, conta com a colaboração pontual de algumas vozes convidadas como Isabel Dias, Marisa Pinto do projecto Donna Maria, ou Sara Tavares, que fornece uma certa dose de exotismo aos temas “Castelo Ansião”, “Faro Luso” ou o fantástico “Areias de Sal”, para mim o ponto alto do disco.
Chuchurumel – Posta Restante
Os Chuchurumel são um duo natural do distrito da Guarda constituído por Julieta Silva (essencialmente voz, concertina e sanfona, ela que também faz parte de outro fabuloso projecto musical, chamado Diabo a Sete) e César Prata (essencialmente voz, bandolim, cavaquinho, viola, flauta e elementos electrónicos), a quem ultimamente se juntou Tiago Pereira, filho de Júlio Pereira, responsável pelas projecções video. Em 2004 lançaram o seu registo discográfico de estreia: No Castelo de Chuchurumel, uma edição muito limitada com uma capa artesanal e cuja sonoridade já surpreendia pela mistura de elementos tradicionais com aspectos modernos.
Em 2007 surge então Posta Restante, um album que confirma os Chuchurumel como uma das propostas mais interessantes e arrojadas da actualidade. O album está elaborado como sendo um marco de correio, em que cada faixa é uma carta dedicada aos elementos que, de alguma forma, os influenciaram, como os míticos responsáveis por recolhas Michel Giacometti ou Fernando Lopes Graça, e/ou aqueles que contribuiram, de algum modo, para a elaboração do album. É constituído essencialmente pela adaptação de temas tradicionais de diversas zonas do país como os sublimes “Deus te Salve Ó Rosa” (Aljezur, Algarve), “Galanducha” (Marmeleiro, Guarda) ou “Rico Franco” (Vilar de Amargo, Figueira de Castelo Rodrigo), embora também exista um ou outro original do grupo. Julgo que não haverá exemplo mais claro do que é a visão dos músicos sobre a aliança entre tradição e modernidade do que “Coquelhada Marralheira” (dedicado a Mário Correia, fundador da editora Sons da Terra e um dos grandes responsáveis pelo trabalho de recolhas na actualidade), em que a voz da senhora mirandesa Clementina Rosa Afonso se mistura com fortes batidas electrónicas. Para finalizar, referir só que este disco foi, de forma absolutamente justa, premiado por alguma crítica, nomeadamente pelo jornal O Expresso, como um dos grandes albuns portugueses do ano que passou, o que não deixa de ser notável, tratando-se de um album com uma visibilidade infelizmente reduzida.
(publiquei esta crítica inicialmente em http://artesanatosonororuc.blogspot.com/)
Do álbum Geografias, que é o único que conheço, destaco:
-Faro Luso
-Colares de Luz
-Tábuas de romãs
-Castelo de Ansião
-Alvor Bencanta
-Pisa Fronteira
Mas, zé, isso são as musicas todas do album
Ahah!
São quase, de facto…
Concordo com o que escreveste, Torgal, pelo menos sobre o Júlio Pereira, já que não conheço nada dos Chuchurumel.
Gosto do “Geografias”, mas acho mais piada aos albums que referiste: “Cavaquinho” e “O Meu Bandolim”. O “Cavaquinho” então é uma preciosidade. Não conheço nenhum album que explore tão bem as potencialidades de um instrumento que tem sido completamente marginalizado como é o caso deste. Distingue-se logo pela afinação: o Júlio Pereira utiliza uma afinação que, apesar de tornar o instrumento um pouco mais difícil de tocar, faz com que este ganhe inegavelmente em termos de sonoridade. Para além disso, a própria técnica de rasgado é pouco comum: hoje em dia assistem-se a verdadeiras aberrações – como tocar cavaquinho de palheta (no meio inenarrável das tunas académicas (propício a a aberrações de todas as formas, tamanhos e feitios), então, toca-se cavaquinho das piores formas possíveis). Felizmente tenho podido aprender algumas coisas com bons executores de cavaquinho. O que é certo é que o Júlio Pereira é uma referência, tal como no bandolim. É certo que é difícil para os executores deste instrumento (tal como no caso cavaquinho) obterem reconhecimento, mas penso não ser exagero dizer que o Júlio pereira é o melhor que temos. Bom post, bom blog e aguardo impacientemente pelo próximo.
O “Cavaquinho” é horrível!